Dados são do anuário da NTU, que reúne mais de 500 empresas em todo o País, e demonstram os efeitos da crise econômica, mas principalmente da falta de prioridade ao transporte público
ADAMO BAZANI
Cada vez menos pessoas usam ônibus no Brasil. É o que aponta levantamento divulgado nesta quinta-feira, 24 de agosto de 2017, pela NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, que reúne em torno de 500 empresas de ônibus em todo o País.
Entre 2015 e 2016, a queda no número de passageiros foi de 8,2%, o que segundo a associação, significa que três milhões de pessoas por dia deixaram de usar ônibus em seus deslocamentos.
Juntas, estas nove cidades reúnem 37% da demanda de passageiros de ônibus no Brasil.
Cada ônibus também está menos produtivo. Apesar de o mercado oferecer modelos maiores, como superarticulados e biarticulados, a quantidade de passageiros transportados por veículo caiu 4,6% em 2016 na comparação com o ano de 2015.
A queda no número de passageiros transportados por veículo começou a se intensificar em 2013. Em 24 anos de acompanhamento dos números, a redução de pessoas transportadas por ônibus para o mês de outubro, usado como referência, é de 46,3%. Os índices atuais mostram uma regressão aos números das primeiras pesquisas. É como se o setor andasse para trás.
Como não há uma expansão significativa na malha de trens e metrô no Brasil, significa que toda esta demanda está indo, na maior parte das vezes, para o transporte individual, o que resulta em mais trânsito e poluição nas cidades.
Assim, a perda de passageiros pelos ônibus é preocupante e mostra que ainda não há políticas consistentes em prol dos transportes coletivos que devem contemplar redes com sistemas de trilhos, ônibus urbanos e metropolitanos e ônibus fretados.
Além deste problema, que é estrutural e bem antigo no país, o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha, diz que a crise econômica atual, que gera desemprego, é um dos principais fatores que acentuaram essa queda no número de passageiros e também cita distorções no financiamento do transporte coletivo.
“Certamente, são fatores que interferem na dinâmica da mobilidade urbana das cidades, mas temos que levar em conta também outras distorções do sistema de transporte urbano, como a falta de fontes de financiamento para a tarifa, hoje paga exclusivamente pelo usuário”
Nos últimos três anos, o comportamento histórico da demanda de passageiros não se alterou, ou seja, a média que os ônibus perdem por ano continua a mesma, entretanto, somadas essas médias ano a ano, há uma queda acumulada que preocupa o setor.
ÔNIBUS COM BAIXO DESEMPENHO:
No Brasil, praticamente não há redes consideráveis de corredores de ônibus e nem sequer de faixas. Isso se reflete, além de um número menor de passageiros por veículo (queda de 4,6%) de 2015 para 2016, também uma quilometragem menor por coletivo.
Entre 2015 e 2016, a quilometragem produzida caiu 2%, comparando-se os meses de abril e outubro destes anos.
O IPKe – Índice de Passageiros Equivalentes por Quilômetro, ou seja, o total de passageiros pagantes transportados a cada quilômetro do ônibus em operação, caiu 6,2% entre 2016 e 2015.
A queda maior foi de outubro, 8,8% contra 3,7% de perda em abril.
Ainda de acordo com o anuário da NTU, depois de ganhos na produtividade destes ônibus, a partir de 2013 houve consecutivas quedas. Nos primeiros anos da média histórica, o IPK chegou a ser de 2,42 e 2,48 em 1994 e 1995, respectivamente, considerando a média dos meses de abril e outubro. Em 2016, o índice foi de 1,51.
A queda no número de passageiros equivalentes também reflete o número de aumento das gratuidades. Existem menos passageiros totais nos sistemas de ônibus e menos ainda passageiros que pagam a tarifa.
A velocidade dos ônibus também caiu de maneira significativa. De acordo com a NTU, nos últimos 20 anos por causa dos congestionamentos cada vez mais intensos nos centros urbanos de grande e médio porte, os ônibus estão 50% mais lentos. A situação se reflete no seguinte quadro: mais ônibus para fazerem o mesmo trajeto e atenderem menos pessoas.
SALÁRIOS DE MOTORISTAS:
A média salarial dos motoristas de ônibus nas nove capitais pesquisadas é de R$ 1900, após correção pelo IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas.
Segundo a NTU, o custo de mão de obra representa 40,3% de todos os gastos das empresas de ônibus.
As companhias de ônibus dizem que entre 2013 e 2016 a média salarial teve poucas alterações.
Ainda em valores corrigidos, os motoristas ganhavam mais entre 1998 e 1999. Nesses dois anos a média salarial da categoria era de R$ 2600 (com correção) se fosse nos dias de hoje
ÓLEO DIESEL SOBE MAIS 214% QUE A INFLAÇÃO EM 18 ANOS:
Segundo o anuário da NTU, o preço do óleo diesel registrou queda de 1,7% entre 2015 e 2016.
Entretanto, de acordo com o acompanhamento da associação, no acumulado de 18 anos, o preço do óleo diesel subiu 214,1% mais que a inflação e 191,3% mais que a gasolina e o etanol.
O acompanhamento realizado pela NTU, a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE referentes ao custo dos principais insumos do setor, revela que nos últimos 18 anos (1999-2017) a variação acumulada dos preços do óleo diesel foi 214,1% maior que a variação acumulada do Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA. Comparativamente com o custo da gasolina, principal combustível do modo de transporte individual e motorizado, a variação acumulada do óleo diesel foi 191,3% superior. Diante disso, faz-se oportuno e necessário evidenciar a falta de sintonia entre as diretrizes definidas pelo governo federal para as políticas do setor econômico e de mobilidade urbana.
TARIFA MÉDIA:
A tarifa média ponderada em 2016 nas nove capitais (Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo) foi de R$ 3,59. Segundo as empresas de ônibus, entre 2015 e 2016, a inflação pelo IPCA foi de 6,3% e, com atualização pelo IGP-DI (FGV), as tarifas subiram 2,6%
Conforme indicado pela linha de tendência destacada na Figura 7, verifica-se que existem dois momentos na série histórica. O primeiro é o período caracterizado por reajustes mais significativos, de 1994 até 1999, consequência da elevação dos custos dos principais insumos do setor (mão de obra e combustí- vel), que historicamente são reajustados com índices superiores à inflação. Entretanto, nos últimos 17 anos, o valor da tarifa média encontra-se estabilizado entre uma faixa de valores com média de R$ 3,50. Essa situação caracteriza o segundo momento histórico
Ainda de acordo com levantamento, a tarifa média ponderada em 1994 era de R$ 2,35.
CUSTO POR QUILÔMETRO:
O custo por quilômetro dos ônibus nas nove capitais brasileiras entre 2015 e 2016, já corrigido pelo índice de inflação caiu 2,6%, entretanto, o resultado, segundo a NTU, se dá pela redução do preço do diesel entre os dois anos e pelo envelhecimento da frota
MENOS ÔNIBUS:
O levantamento também mostra uma queda no número de ônibus prestando serviços no país. O índice de frota caiu 3,1% em abril e 4,3% em outubro de 2016 na comparação com os mesmos meses de 2015.
A queda vem se acentuando desde 2013, com exceção de 2014, quando por causa da inauguração de faixas exclusivas e sistemas de BRT, principalmente nas cidade-sedes da Copa do Mundo, houve uma pequena elevação.
Ainda de acordo com a NTU, a racionalização das linhas e a substituição de veículos menores por modelos articulados, superarticulados e biarticulados também explica essa redução no índice de frota.
ÔNIBUS MAIS VELHOS:
Os ônibus urbanos que servem as nove capitais analisadas pelo anuário da NTU também estão mais velhos. A média de idade em abril foi de 5,1 anos e, em outubro, 5,4 anos, no total de frota de 37.158 ônibus urbanos em Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo
Segundo a NTU, a falta de incentivo para comprar veículos novos e os desequilíbrios econômicos dos sistemas auxiliam a entender a situação.
- A não atualização das tarifas gerando desequilíbrio econômico-financeiro dos sistemas. Essa situação foi enfrentada na última negociação para reajuste tarifário nos dois maiores centros urbanos do país, Rio de Janeiro-RJ e São Paulo-SP, que juntos possuem 22.291 ônibus. Essa situação poderá comprometer a aquisição de novos veículos durante o ano de 2017; e • Inexistência de programas de financiamento que apresentem condições atraentes para aquisição de veículos, especialmente, prazos e taxas de juros condizentes com as realidades operacional e econômica do setor.
O pico de idade média na série histórica foi entre 2003 e 2004, com 5,73 anos em abril
VENDAS DE ÔNIBUS RETOCEDEM EM 12 ANOS:
Uma verdadeira bola de neve. A crise econômica diminui as atividades gerais na indústria, serviços e comércio, há menos passageiros para o transporte de pessoas, as tarifas são congeladas por decisões políticas, as empresas de ônibus renovam menos a frota e as fabricantes amargam prejuízos e quedas nas vendas.
De acordo com o anuário, entre 2015 e 2016, houve uma queda de 12,1% nas vendas de ônibus e de 42,9% na comparação com 2014.
A NTU explica que o número de vendas de ônibus é o mais baixo desde 2004.
A comercialização de veículos do tipo ônibus e micro-ônibus em 2016 foi menor em relação ao último ano, período no qual a redução da quantidade de unidades vendidas já havia atingido 42,9% comparativamente com o desempenho das vendas em 2014. Em 2016, um total de 10.159 unidades foi comercializado. Esse total representa uma redução de 12,1% em relação a 2015. Os dados referem-se às carrocerias produzidas e comercializadas no país e que são registrados e disponibilizados pela Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus-FABUS. O segmento ônibus urbano sofreu uma redução de 15,2% em relação ao ano anterior. Especificamente para a classe de veículos tipo micro-ônibus, houve um pequeno incremento das vendas (0,9%). A quantidade de ônibus adquiridos pelas operadoras de transporte é a menor desde 2004. Além disso, chama a atenção a forte queda no padrão das vendas nos dois últimos anos.
PROJETOS DE MOBILIDADE PERDRAM FÔLEGO:
O relatório também destaca que os projetos de mobilidade para o Brasil tiveram redução significativa. Atualmente, existem 185 projetos ativos, mas apenas 27, ou 14,6%, estão em operação.
O PAC 2 Mobilidade Urbana Grandes Cidades é o programa com maior quantidade de projetos vinculados. Em 2016, eram 318 empreendimentos cadastrados, entretanto, 132 projetos foram excluídos, dos quais 101 porque não conseguiram formalizar a contratação de operação de crédito e outros 31 projetos tiveram dificuldades para cumprir as etapas seguintes à seleção das propostas.
Dos mais de 2,1 mil quilômetros dedicados ao transporte público implantados nos últimos nove anos, explica nota da NTU, 77,4% foram para ônibus.
Atualmente, existem 185 projetos ativos. No entanto, apenas 27 estão em operação (14,6%). Desde o início do monitoramento, as propostas nos níveis iniciais de análises, estudos e preparação sempre foram as mais representativas. Em 2017, elas representam 57,3% dos projetos ativos (106 propostas). Juntos, os programas de financiamento promovidos pelo governo federal e as iniciativas municipais promoveram a implantação de 2.155 quilômetros de infraestrutura dedicada aos transportes públicos urbanos, nos últimos nove anos. Novamente, destacam-se os projetos que elegeram o modo ônibus, pois somados representam 1.668 quilômetros, sendo equivalente a 77,4% da infraestrutura em operação.
Os dados resultantes do acompanhamento da evolução dos projetos revelam que não houve alteração significativa em relação ao último ano. O crescimento registrado no período 2016-2017, em relação à quantidade de projetos, investimentos e infraestrutura já operacionalizados, foi de 19,7%, 14,5% e 23,7%, respectivamente. Contudo, sabe-se que essa evolução dos números deve-se mais à atualização do banco de dados e obtenção de informações que não estavam registradas. Nos últimos dez anos foram destinados R$ 151,7 bilhões para investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana, porém apenas R$ 14,2 bilhões foram utilizados, ou seja, menos de 10% do total.
Em entrevista nesta semana ao Diário do Transporte, o Secretário Nacional de Mobilidade Urbana – Semob, José Roberto Generoso, disse que o Ministério das Cidades prepara uma linha de crédito para municípios de mais de 250 mil habitantes conseguirem empréstimos de até R$ 200 milhões para projetos de baixo custo a fim de aumentar a velocidade operacional dos ônibus, com implantação de faixas exclusivas.
Generoso também afirmou que grande parte das cidades brasileiras não tem competência para elaborar planos de mobilidade.
Relembre
No levantamento anterior que comparou 2014 e 2015, a perda, segundo a NTU foi de 3,2 milhões de passageiros por dia:
Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes
Fonte: Diário do Transporte
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